Brasil: rumo à convergência tecnológica

tipo: Documentos
publicado em: 29 de maio de 2007
por: Alexandre Annenberg Netto
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Alexandre Annenberg Netto* - 29 de maio de 2007
Fonte: Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação 2006

Brasileiros adoram assistir TV! A pesquisa TIC Domicílios 2006 comprova este fato, mostrando que 97% dos lares do país possuem pelo menos um aparelho. Democrática e com conteúdo diversificado, ela agrada a todas as classes sociais. Já a TV a cabo ainda é um bem restrito no Brasil, presente em 5,4% dos domicílios, de acordo com o levantamento. Esse não é um universo exatamente pequeno. Somadas às outras tecnologias disponíveis, além do cabo - satélite (DTH) e microondas (MMDS) -, temos mais de 4,6 milhões de residências com TV por assinatura e 16 milhões de telespectadores. Em 2006, o setor contabilizou mais de 500 mil novos assinantes, um universo estimado em dois milhões de telespectadores.

Mas a enorme diferença em relação à abrangência da TV aberta nos leva a perguntar por que, em um país tão ávido por televisão, a indústria da TV paga não se popularizou? Porque não atingiu os mais de 12 milhões de assinantes nos seus dez primeiros anos de serviço, como previsto na época de seu lançamento. Além das óbvias razões socioeconômicas, há outros fatores históricos e culturais que limitaram o crescimento deste serviço.

A série de transformações tecnológicas por que passamos - com o crescimento da banda larga, a convergência de mídias, a chegada da IPTV e da TV digital, a interatividade e outras tantas novidades - pode delinear um futuro diferente, bem mais democrático no acesso à informação, ao lazer, à cultura e ao entretenimento. As redes de alta qualidade da TV a cabo têm papel muito importante neste processo, e o setor da TV por assinatura ocupa uma posição estratégica para o fomento da diversidade cultural brasileira e para a inclusão digital.

A TV por assinatura começou no Brasil há aproximadamente 15 anos, quando não havia infra-estrutura adequada para o transporte de conteúdos audiovisuais. As operadoras tiveram que construir redes próprias, o que consumiu altos investimentos e endividou esta indústria de forma significativa. Diferente das teles, por exemplo, que na privatização receberam toda infraestrutura de redes pronta. Isso sem contar o fato de que telefonia é um serviço público essencial, com enorme geração de caixa. Já a TV paga, serviço privado, tem custos elevados no mundo todo. Infelizmente, a renda média do brasileiro é tão baixa em relação a outros países mais desenvolvidos que os preços ainda são muito altos para grande parte da população.

Até por esta característica, as operadoras que tiveram grande dificuldade de gerar caixa e ampliar seus investimentos no início de suas atividades, concentraram investimentos nas áreas onde identificaram maior potencial de consumo. Apenas nos anos mais recentes, as empresas conseguiram reequacionar suas dívidas e a indústria de TV por assinatura tomou novo fôlego para crescer. Nesta retomada, as operadoras de TV paga também se depararam com oportunidades para diversificar seus serviços, oferecendo conteúdos em pay-per-view e, mais importante, o acesso à internet em alta velocidade.

A infra-estrutura da TV a cabo é muito superior às redes de par trançado das operadoras de telefonia e permite a oferta de um serviço de altíssima qualidade aos assinantes. As redes têm uma topologia e componentes que possibilitam o tráfego de ida e volta muito intenso e de forma homogênea - em qualquer trecho, a velocidade e a qualidade de upload e download, por exemplo, são idênticas. A tecnologia utilizada pelas teles tem limitações e as companhias só conseguem fornecer banda larga de qualidade num raio próximo às suas centrais de telefonia.

Este contexto é importante, pois a banda larga abriu um novo mercado para as empresas de TV por assinatura, em competição direta com as empresas de telefonia. E é na oferta de banda larga, um importante meio para a inclusão digital, que a TV paga tem grande potencial para se fortalecer e ampliar sua abrangência, passando a atender novos públicos, em todas as camadas da população.

A pesquisa TIC Domicílios 2006 aponta o custo elevado da conexão em alta velocidade como a principal barreira para a popularização do serviço. Os preços estão ficando mais baixos ao longo do tempo e, inexoravelmente, a banda larga será uma opção acessível a um número cada vez maior de estratos da população, ajudando fortemente no processo de inclusão digital.

Para ser economicamente viável, uma rede de TV a cabo precisa ter pelo menos 40% de penetração. Na cidade de São Paulo, onde temos duas grandes operadoras de TV a cabo concorrendo pelos mesmos assinantes, cada uma delas têm, em média, 20% de penetração. Somadas, elas atingem um número muito interessante, mas individualmente, ainda estão longe da equação que permitiria baixar seus custos e promover investimentos em novas redes, em áreas que hoje não são atendidas.

Esses índices foram projetados com a oferta exclusiva de TV. Na medida em que se oferece novos serviços como a banda larga, a rentabilidade da rede aumenta e, com isso, são maiores as perspectivas de crescimento para o setor, com mais investimentos, o que justificaria a construção de redes com a mesma qualidade das atuais, diante de novos mercados. As redes da TV a cabo, que hoje já atendem uma parcela importante da população, passam a ser fundamentais no processo de inclusão digital.

Sendo a banda larga um serviço tão importante para a inclusão digital, poderíamos ter políticas públicas e incentivos econômicos capazes de estimular a ampliação da oferta. Como temos grandes contrastes entre as regiões, o governo poderia desenvolver políticas diferentes também, com fomento nas regiões carentes do serviço. Seria muito razoável imaginar toda sorte de incentivo, inclusive isenções tributárias para alguns estados. E isto não significaria renúncia fiscal para o governo, pois estamos falando de uma receita que hoje não existe. Desonerando as empresas da carga de tributos, cria-se um novo mercado, sem que o governo tenha prejuízo.

As empresas de TV a cabo, mesmo sem as políticas específicas, já vêm fazendo sua parte na inclusão digital. As operadoras oferecem seus serviços, tanto de TV como de internet em alta velocidade, gratuitamente para as escolas públicas localizadas nas áreas cabeadas. Centenas de escolas são atendidas e milhares de estudantes beneficiados. O que acontece, e não raramente, é que este recurso acaba não sendo totalmente usufruído pelas escolas que não possuem infra-estrutura educacional suficiente para a utilização dos serviços.

Conteúdo local
Dois outros fatores são limitadores para o avanço da TV a cabo: a baixa produção de conteúdo local e regional na programação das operadoras e a falta de licenças para exploração do serviço na maioria das cidades do país. O Estado de São Paulo tem 645 municípios. Hoje, a TV a cabo está presente em cerca de 10% destas cidades. E não é por falta de interesse em expandir para outras praças. Mas há mais de cinco anos a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não abre licenças no país.

Quanto ao conteúdo global, a TV a cabo hoje oferece uma grade de ótima qualidade, diversificada, com o melhor da produção internacional. Nós temos acesso aqui à programação da CNN, da FOX, do National Geographic, HBO, ESPN e tantos outros. Também temos os canais voltados para diversas comunidades estrangeiras no país: a TV5 para os franceses, a RAI para os italianos e por aí vai.

Esta vasta programação, com conteúdo segmentado, atende os públicos a que são destinados. Prova disso é que as agências de publicidade e anunciantes investem cada vez mais nos canais pagos: a TV por assinatura cresceu surpreendentes 25% no número de inserções publicitárias em 2006, em relação ao ano anterior. Na publicidade, aliás, o setor teve três anos de crescimento sempre superior ao do mercado. A audiência do meio cresceu 18% no ano passado.

Viabilizar a expansão da TV paga em outros extratos sociais, principalmente na classe C, significa necessariamente investir na produção de conteúdo local e regional. É preciso ter programas em português que explorem as particularidades e desejos das culturas de cada estado, ou até município. Algumas experiências vêm sendo feitas com muito sucesso no interior de São Paulo.

Seguindo um modelo canadense, uma operadora criou um estúdio, investiu em equipamentos e em treinamento, e é a própria comunidade que faz a gestão do canal local e produz o conteúdo. O modelo vem sendo replicado, mas é preciso também que sejam definidas políticas públicas de incentivo à produção de conteúdo local, de forma a estimular este mercado.

Futuro digital
A TV por assinatura é pioneira no processo de digitalização e sua importância cresce com o início das operações da TV digital no país. As TVs por satélite, que representam um terço dos nossos lares, já nasceram digitais, por natureza. As TVs por cabo e por MMDS também estão praticamente todas digitalizadas ou em processo de digitalização, sendo que atualmente 50% dos "decoders" em operação são digitais.

Muitas das vantagens da TV digital já estão disponíveis para parte dos assinantes de TV, como canais com opção de compra em tempo real; multicâmeras em eventos especiais ou telas que permitem a exibição concomitante de diferentes canais, para uma melhor seleção; e serviços em "real time", como o "DVR - Digital Video Recorder", que permite assistir ou gravar simultaneamente mais de um programa, com recursos como "replay" e "pause", para um momento mais adequado e conveniente. A transmissão digital aberta pouco afetará o mercado de TV paga. Por outro lado, as redes da TV paga podem facilitar a implantação da TV digital no país.

Na verdade, passamos por uma revolução tecnológica, e a convergência já está batendo à porta do usuário. A TV a cabo, apesar dos percalços enfrentados pelo setor, veio para ficar e será um dos meios desta convergência. A internet desde o princípio trouxe acesso à informação e à cultura, aproximando pessoas, facilitando transações, comércio e uma série de outras vantagens. Na medida em que pudermos avançar com as redes de alta qualidade da TV a cabo e oferecer banda larga para um público cada vez maior, seja para transmissão de dados, de voz ou de imagens, o setor de TV por assinatura dará uma importante contribuição para disseminação do conhecimento.

* Alexandre Annenberg Netto é representante do setor empresarial - segmento dos provedores de infra-estrutura de telecomunicações

Como citar este artigo:
NETTO, Alexandre Annenberg. Brasil: rumo à convergência tecnológica. In: CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação 2006 . São Paulo, 2007, pp. 43-46.