Os rumos da Internet - Quatro eventos mundiais discutem as tendências da Rede


01 AGO 1998



Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Caros internautas,

Em nossa última conversa, fiquei devendo falar sobre o Fórum da Enred, que ocorreu nos dias 8 e 9 e do Walc 2000 - III Taller sobre Tecnología de Redes e Internet para América Latina y el Caribe, ocorrida entre os dias 10 a 14 de julho. Vou pagar a promessa e "de quebra", comentar sobre a reunião do ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), que aconteceu entre os dias 12 e 16 e do INET 2000 (The Internet Global Summit) patrocinado pela Internet Society entre os dias 17 e 21, ambos em julho, em Yokohama, no Japão.

Como se vê, um mês profícuo para a Internet mundial. Sobre cada um destes eventos teríamos assuntos que ocupariam todo o espaço que me é destinado, mas considero o poder de síntese uma graça divina e procurarei exercê-lo de modo a não cansar ninguém. Vamos lá!

O Enred pode ser descrito como o Foro das Redes Acadêmicas dos Países da América Latina e do Caribe. Sua importância repousa no fato de que foi a Academia em todos estes países a primeira a ter contato com a Internet e, em muitos deles, é onde ainda se encontra ancorada. Em outras palavras, o destino da Internet na maioria dos países desta região ainda é ditado quase que exclusivamente pelo setor acadêmico.

O que se buscou neste evento foi o intercâmbio de ações e experiências e principalmente a busca de sinergia e uniformidade na gestão das redes. Um assunto que foi muito discutido e que nos toca bem de perto são os esforços para a criação do LACNIC - Registro Regional de Direcciones IP Latinoamericano y Caribeño -, entidade que administrará os endereços IP em benefício da comunidade Internet desta região. Para quem não sabe, o processo de administração dos endereços IP no mundo está em ebulição, sofrendo uma grande transformação nos últimos 18 meses. A idéia por trás das mudanças é de que, para simplificar a administração dos endereços IP, o mundo seja dividido em 5 regiões (América do Norte, Europa, Ásia - que já existem -, África e LA&C) e que entidades supranacionais administrem aqueles endereços em benefício da comunidade que representa.

O Brasil, por seus números, não pode deixar de participar intensamente destes debates e tem se feito presente e atuante em todas as oportunidades através do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

O Walc 2000 é um evento que discute as tecnologias de redes e de uso da Internet com um enfoque na nossa região. Está em sua terceira edição. Das diversas oficinas que compuseram o evento, merece destaque "Internet e Sociedade", que através de apresentações de casos reais, passando por questões de cidadania, cultura e privacidade, por exemplo, buscava desenvolver a capacidade de geração de políticas específicas para a LA&C. Outro destaque vai para "Desenvolvimento de Conteúdos", onde a sinergia imediata trazida pela língua comum à grande maioria dos países da região reforça a importância de se buscar aqui no Brasil conhecer o que se está fazendo a respeito. Não podemos esquecer que estamos isolados pela língua e neste aspecto somos minoria.

Destaco também "Administração e Governabilidade dos Recursos da Internet", onde foi apresentada de maneira clara e objetiva a situação atual dos endereços IP e dos nomes de domínios da LA&C. Não sei se vocês sabem, mas na região apenas o Brasil e o México administram seus próprios blocos de endereços IP, significando que, em qualquer outro país, para cada nova empresa que necessite de um endereço IP é preciso solicitar diretamente ao gestor destes recursos nos Estados Unidos (Arin - American Registry for Internet Numbers). É fácil perceber os transtornos, custos operacionais e financeiros decorrentes disto. O que reforça a necessidade do LACNIC.

Com relação à reunião do Board do ICANN, vale lembrar que esta entidade surgiu em 1998, quando o governo americano resolveu não mais arcar sozinho com os custos da coordenação das funções e recursos globais da administração da Internet. O ICANN é composto de um board e é suportado por 3 outras organizações que constituem as bases do seu funcionamento: a DNSO (Domain Name Support Organisation), a ASO (Address Support Organisation) e a PSO (Protocol Support Organization). O Board do ICANN é composto de 3 membros de cada uma desta entidades e 9 membros eleitos pela comunidade internacional.

Aliás, este foi um dos temas "quentes" da reunião. Pela primeira vez vai-se experimentar o modelo de eleição daqueles membros. O Board aprovou alterações nos seus estatutos referentes aos diretores que serão eleitos. Ficou decidido que, dos 9 diretores previstos inicialmente a serem eleitos pela comunidade Internet, 5 serão eleitos em outubro deste ano, sendo um representante de cada região. Os eleitos tomarão posse em novembro de 2000, com mandato de 2 anos. As quatro demais vagas de diretores só serão preenchidas após a reunião de novembro de 2001, onde deverá ser aprovada a forma da eleição. Desta forma, o mandato de 4 dos atuais diretores nomeados "ad-hoc", cuja escolha ficará a critério do próprio Board, será prorrogado até a reunião ICANN de novembro de 2002.

Com relação à criação de novos Top-Level Domínios - TLDs (são os domínios genéricos como .com, .net e os de países como .br, neste caso chamados de ccTLDs - Country Codes TLDs) não houve consenso. A idéia era criar outros TLDs para desafogar o .com .net .org. A grita geral dos demais países é de que este problema é tipicamente americano e que a adoção do ccTLD .US, resolveria grande parte do problema. Acontece que registro de domínio deixou de ser um problema apenas de administração de recursos para ser um negocio milionário. O Board do ICANN, levando em consideração as recomendações do Name Council, organismo do DNSO, adotou um cronograma para a criação de novos domínios de alto nível, que deverão ser implantados de forma gradual, culminando com a decisão de escolha e criação dos novos domínios na próxima reunião do Board, que se realizará em novembro próximo.

No INET, o destaque é para a preocupação cada vez maior com a privacidade e a "governance" da Internet. Destaco como curiosidade e tendência a reunião plenária que teve como tema "Open Source Movement", que buscou incentivar a associação e harmonização dos esforços dos internautas e dos defensores do código aberto em apoio mútuo, buscando sinergia para os dois movimentos.

Encerrando, queria destacar um problema comum a todos os eventos acima resumidos: a ausência de brasileiros!

Gostamos e nos ufanamos ao constatar nas estatísticas que somos mais do que 50% da Internet da América Latina e do Caribe; que representamos mais do que 70% do comércio eletrônico desta região; que ocupamos a 13a. posição no mundo em termos de hosts e de usuários. E daí? Neste eventos contavam-se nos dedos de uma única mão a participação brasileira. Se queremos continuar a ter um papel de líder regional na Internet, é preciso que os setores organizados da Sociedade - Academia, Governo e principalmente empresas (pois os dois primeiros, com todas as restrições existentes, vêm fazendo a sua parte) precisam sair da casca e acompanhar mais de perto as tendências na Internet mundial.

As oportunidades que são apontadas e as decisões que serão tomadas nestes encontros precisam ser de conhecimento daqueles que investem e esperam sobreviver na onda da Web. Este mercado é para líderes de sucesso, aqueles que acreditam na fórmula (adaptada para a Internet) 10% de criatividade, inspiração e talento e 90% de transpiração, confeccionando "business plans" e gerenciando aqueles talentos. Para aqueles que apenas acompanham tendências depois de consolidadas, não se preocupem, sempre restarão as migalhas.