Com mais de 12 mil visualizações em sua programação, FIB11 discutiu temas atuais sobre a Internet no Brasil; confira um resumo das sessões principais


02 AGO 2021



Evento, realizado de 26 a 30 de julho, contou com quase 2 mil participações on-line e reuniu diferentes setores da comunidade brasileira de governança da Internet



A adoção de plataformas na educação no país, os cinco anos do Programa Youth Brasil e a regulação de plataformas informacionais foram os temas das três sessões principais da 11ª edição do Fórum da Internet no Brasil, o FIB11, que terminou na última sexta-feira (30/7). Realizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o evento, que é considerado uma atividade preparatória para o Internet Governance Forum (IGF), da ONU, reuniu durante cinco dias representantes de diferentes setores da comunidade brasileira de governança da rede, como Governamental, Empresarial, Terceiro Setor e Comunidade Científica e Tecnológica.

Foram 1.143 inscritos, 721 presenças confirmadas, quase 2.300 participações ao vivo, além de mais de 13 mil visualizações durante a semana nos vídeos da programação do Fórum.

Confira alguns dos principais pontos discutidos durante as sessões principais.

Plataformas educacionais

Conduzida por Rafael Evangelista, conselheiro do CGI.br, representante da comunidade científica e tecnológica, a primeira sessão principal colocou em pauta uma questão que se intensificou durante a pandemia COVID-19: a educação remota com auxílio de plataformas, que, em razão da necessidade de isolamento social, tornou-se um fenômeno de ampla adoção. Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Plataformas para Educação Remota, criado pelo Comitê para estudar e debater o assunto, Evangelista levantou pontos importantes como o uso econômico de dados pessoais de usuários – que muitas vezes são crianças e adolescentes -, a soberania tecnológica, além da falta de acesso à Internet de qualidade por boa parte dos brasileiros, sobretudo, os mais pobres.

Leonardo Cruz, professor da Universidade Federal do Pará, apresentou dados de pesquisa do projeto Educação Vigiada, iniciativa da Educação Aberta em parceria com a Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (LAVITS). A intenção foi destacar a dependência de instituições de ensino públicas em relação aos servidores privados, o que faz com que as empresas fornecedoras da tecnologia tenham acesso à grande quantidade de dados de professores, alunos e da própria comunicação institucional.

Segundo o estudo, 66% dos domínios de e-mail das universidades federais no país são direcionados a servidores do Google, 4% a servidores da Microsoft e 30% a servidores próprios. Nas estaduais, a proporção ficou: Google (72%), Microsoft (14%) e servidores próprios (14%). Nos institutos federais, foi de 78%, 7% e 15%, respectivamente. E nas secretarias estaduais de educação: 51%, 24% e 24%.

Na avaliação de Cruz, a falta de investimento público em parques tecnológicos e em circuitos informacionais dessas instituições está relacionada a esse quadro. Ele enfatizou que a pandemia amplificou o problema, que já estava colocado desde 2013 e vem aumentando ao longo dos anos.

Alexandre Campos Silva, Head do Google for Education Brasil, por sua vez, ao falar sobre as soluções da empresa voltadas para educação, ressaltou que os termos de uso dos produtos reforçam que os dados são propriedades das escolas e universidades. Ele afirmou que o Google for Education vem ajudando a comunidade escolar, especialmente nesse momento pandêmico, e que o propósito da iniciativa é construir soluções que simplifiquem a vida dos professores, alunos, gestores de tecnologia para que a experiência de ensino e aprendizagem seja mais fácil e simples.

Janaina Costa, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), falou sobre a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, fazendo um recorte sobre a adoção e o uso de plataformas na educação. Apesar de existir um arcabouço jurídico antes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a nova legislação, segundo ela, finalmente detalhou a proteção e o tratamento de dados pessoais, incluindo, pela primeira vez, dispositivos de aplicações específicos a menores de 18 anos.

A representante do ITS mencionou pontos da LGPD que provocam dúvidas quanto à implementação e citou exemplos bem-sucedidos vindos da União Europeia, como o código de práticas para o serviço on-line, editado pela Information Commissioner’s Office (ICO), autoridade de proteção de dados do Reino Unido.

“O Brasil tem um arcabouço bem robusto para a proteção de crianças e adolescentes, mas a gente não tem essas diretivas ainda, tampouco há isso na América Latina”, afirmou, acrescentando que seria uma oportunidade de o país protagonizar e melhorar essas balizas para os prestadores de serviço, de forma a garantir que não tenha insegurança jurídica.

Ela ressaltou a importância de que essas regras sejam elaboradas com a participação de diferentes setores e que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) possa fazer um código de boas práticas, contando com a ampla cooperação de desenvolvedores, indústrias, profissionais da educação, academia, organizações que representam professores e famílias, a sociedade civil e as próprias crianças.

Claudio Furtado, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e conselheiro do CGI.br, representante do setor governamental, argumentou que a pandemia exigiu soluções rápidas e um olhar pragmático para evitar a interrupção das aulas. Segundo Furtado, é notória a adesão das escolas estaduais e municipais às plataformas oferecidas gratuitamente por grandes empresas, como o Google e a Microsoft, alternativa que, naquele momento, na concepção dele, era a mais viável.

“Antes da pandemia, a gente sempre achava que a questão do uso de tecnologias [na educação] seria uma coisa para o futuro. De repente, chega a pandemia e você tem que procurar soluções com escalabilidade que possam chegar a grandes redes, redes com milhares de estudantes, e isso teve de ser feito de forma muito rápida”, explicou, completando que, mesmo no pós-pandemia, a adoção de tecnologia será uma realidade no dia a dia da escola.

Sobre a possibilidade de as instituições públicas de ensino desenvolverem suas próprias plataformas, Furtado não considera algo a ser realizado a curto prazo, em função da diminuição do financiamento de pesquisas no país nos últimos anos.

Já Iara Machado, diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), trouxe outra perspectiva sobre o tema. Durante sua apresentação, ela mostrou como a Rede tem construído e colaborado com o desenvolvimento de plataformas nacionais para a educação.

Ela contou que, em 2001, a RNP criou um programa de pesquisa e desenvolvimento com o objetivo de desenvolver produtos e serviços, e a estratégia foi fazer parceria com a comunidade científica, atuando não mais como uma agência de fomento, mas auxiliando o ecossistema de empreendedorismo e aproveitando as boas pesquisas existentes. Para isso, adotaram um modelo de inovação aberta, investindo na parceria empresa e academia.

Ela deu exemplos de plataformas para educação oferecidas pela RNP, construídas por meio do modelo. “O que descobri ao longo desses anos trabalhando com a academia é que tem empreendedorismo dentro das universidades. É possível construir produtos robustos, com qualidade, e é mais ou menos o que a gente vem fazendo”.

Cinco anos de Youth Brasil

Coordenadora do Youth Brasil, Tanara Lauschner, conselheira do CGI.br como representante da Comunidade Científica e Tecnológica, comandou a segunda sessão principal do FIB11, que falou sobre os cinco anos do programa. Ex-integrantes da iniciativa, cujo objetivo é capacitar a nova geração de líderes e fomentar a participação de jovens no ecossistema de governança da Internet, contaram sobre a experiência e como ela influenciou em suas vidas e carreiras.

O Programa Youth Brasil teve início em 2015 e, desde 2016, já capacitou mais de 700 pessoas nos estudos dirigidos e apoiou a participação de mais de 100 jovens nos fóruns de governança da Internet global (IGF), regional (LACIGF) e nacional (FIB). Diretor-presidente da SaferNet Brasil, Thiago Tavares, que coordenou o programa, quando conselheiro do CGI.br, falou sobre a origem do projeto. De acordo com ele, a intenção não era apenas ter jovens na audiência, mas participando efetivamente dos debates e das discussões sobre governança na Internet.

Nathalia Sautchuk Patrício, que acompanhou o programa quando integrava a equipe da assessoria às atividades do CGI.br, destacou que o Programa Youth Brasil ajuda o jovem a acreditar em si próprio. “Verificamos na prática que o conhecimento não fica apenas com o participante que recebe a formação. Ele acaba atuando como um agente multiplicador nas suas comunidades”.

Regulação de plataformas

Henrique Faulhaber, conselheiro do CGI.br e coordenador do Grupo de Trabalho Regulação de Plataformas criado pelo Comitê, moderou a terceira e última sessão principal do FIB11, que, a exemplo da primeira, reuniu representantes de diferentes setores para a análise do tema proposto. O poder das chamadas Big Techs e os problemas advindos do uso delas – a despeito da grande importância que têm no cotidiano das pessoas - foi uma das questões levantadas.

Faulhaber destacou que a regulação vai muito além da moderação de conteúdos e envolve aspectos econômicos e políticos. Aos painelistas, lançou as seguintes perguntas: quais os riscos, oportunidades e principais desafios envolvidos na discussão sobre regulação de plataformas no Brasil? Como a discussão de políticas para o setor pode tratar mais adequadamente questões locais de interesse da comunidade brasileira? Como os diálogos multissetoriais num espaço como o FIB podem contribuir nos avanços dessa agenda?

Fernando Gallo, do Twitter, defendeu que toda conversa sobre regulação deve ter como base os princípios da Internet aberta no cerne do futuro digital do Brasil. Na avaliação dele, a Internet aberta impulsionou um progresso econômico, social e tecnológico sem precedentes e também levou a um maior acesso à informação e a mais oportunidades de fala.

Segundo Gallo, foram identificados pelo Twitter cinco pilares centrais para a defesa de direitos e que representam os fundamentos da Internet aberta: acesso universal por meio de padrões abertos, escolha de algoritmos, transparência, competição e escolha do consumidor em torno da privacidade. Durante a explanação, foram abordados cada um deles.

Já Diego Cerqueira, do ITS-Rio, falou sobre a falta de transparência das empresas sobre como criam seus algoritmos para servir aos seus propósitos de negócio. Mencionou a questão da importação de modelos de regulação, destacando que, apesar de as plataformas serem globais, elas operam em contextos diferentes, e questionou a ideia de que a regulação atrasa a inovação, alegando que “depende de como ela é feita”.

Daniele Cardoso, coordenadora-geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), começou sua apresentação explicando os sistemas de atendimento gerenciados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Em seguida, mostrou a quantidade de demandas e as principais reclamações direcionadas a plataformas como Facebook, Google, Amazon e Netflix – algumas delas relacionadas à privacidade e proteção de dados.

Murilo César Ramos, pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), disse que atualmente há um relativo consenso sobre a necessidade de regulação. Um consenso que se dá a partir de algumas premissas, como excesso de concentração de poder econômico e político nas plataformas. O pesquisador acrescentou que elas são intrusivas do ponto de vista das subjetividades, referindo-se à questão da privacidade e de modelo de negócios que não existiriam sem a utilização de dados pessoais. Ramos disse ainda que as plataformas são ameaçadoras às instituições, oferecendo riscos à democracia. Para ele, o problema não é saber se deve regular ou não, mas como regular. E não há resposta fácil para essa questão, enfatizou.

Encerramento

Durante o encerramento da 11ª edição do Fórum da Internet no Brasil, na tarde de sexta-feira (30), Flavio Wagner, coordenador da Comissão de Avaliação do FIB11, fez a prestação de contas do processo de avaliação das propostas de workshops, informando que, desde 2017, o Fórum adota o modelo de chamada pública, uma maneira de fazer com que a programação do evento seja construída pela própria comunidade. Nesta edição, foram submetidos 65 workshops e selecionados 20, em função do evento ter sido novamente realizado on-line, um número menor que os 27 das edições anteriores. No entanto, para a próxima edição presencial pretende-se retomar aos 27 workshops na programação.

Das propostas enviadas, 33 vieram do Terceiro Setor; 22 da Comunidade Científica e Tecnológica, seis do Setor Governamental e quatro do empresarial, das quais foram selecionadas 11, 5, 2 e 2 respectivamente.

O FIB11 recebeu propostas de workshops de todas as regiões do país, sendo 3 do Norte, 10 do Nordeste, 15 do Centro-oeste, 28 do Sudeste e 9 do Sul. Destas regiões foram selecionadas 1, 5, 2, 8 e 4 propostas respectivamente,

Flavio falou ainda sobre como atua a Comissão de Avaliação, que é bastante plural e com olhares variados, e explicou que o processo de seleção é feito de forma totalmente anônima, para garantir a imparcialidade.

Conselheiro do CGI.br, representante da comunidade científica e tecnológica, Marcos Dantas destacou o trabalho de todos os envolvidos na realização do FIB11 e afirmou que o Fórum deste ano foi uma expressão de novas demandas “na medida que as agendas políticas, econômicas, culturais vão se tornando cada vez mais presentes nos debates sobre a Internet, destacando a necessidade de começarmos a compreender melhor as camadas da Internet, das plataformas de conteúdos e da infraestrutura típica desse meio”.


Sobre o Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br
O Comitê Gestor da Internet no Brasil, responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil, coordena e integra todas as iniciativas de serviços Internet no País, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados. Com base nos princípios do multissetorialismo e transparência, o CGI.br representa um modelo de governança da Internet democrático, elogiado internacionalmente, em que todos os setores da sociedade são partícipes de forma equânime de suas decisões. Uma de suas formulações são os 10 Princípios para a Governança e Uso da Internet (https://cgi.br/principios). Mais informações em https://cgi.br/.

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