A jornada por novos TLDs - "Corrida ao ouro" resulta em 7 novos Top Level Domains
Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil
Na semana passada, em Los Angeles, o Board do ICANN - Internet Corporation for Assigned Names and Numbers -, aprovou mais 7 TLDs - Top Level Domains: .biz, .name, .pro, .info, .museum, .aero, .coop. (consulte a página do ICANN para detalhes, www.icann.org).
Essa aprovação, que agora entra em fase final de negociação, foi o término de uma longa jornada patrocinada pelo ICANN, que se valendo da explicação de que o TLD .com estava praticamente esgotado, abriu a temporada da "corrida do ouro", permitindo que diversos interessados, tais como empresas, consórcios e entidades, reivindicassem TLD's para os mais diferentes propósitos. Tudo no mais democrático espírito da Internet.
Os candidatos, além de produzir uma extensa documentação burocrática que enfatizava os aspectos econômicos, submeteram-se também a longas investigações e auditorias realizadas por um grupo de trabalho altamente qualificado, contratado especificamente para tal tomada de decisão.
Na reunião da semana passada, perante o Board do ICANN, cada candidato dispôs de 3 minutos para apresentar suas razões e objetivos. O detalhe curioso é que cada candidato teve que pagar a bagatela de 50 mil dólares para protocolar sua intenção. Porém, tal medida não causou inibição aos mais de 40 candidatos. Mas a quem interessa realmente estes novos domínios?
Às empresas, seguramente, não, uma vez que para resguardar suas marcas terão obrigatoriamente que se registrarem nos novos TLDs.
Em um primeiro momento, muitos acreditavam que uma maior oferta de TLDs, administrados por empresas diferentes, traria uma maior competição e, como conseqüência, uma redução nas tarifas de domínio. Sabe-se que a manutenção de uma base de domínios e de um sistema de registro não é trivial e nem barata; e que o aumento de oferta de TLDs obrigaria o usuário que mantém domínios a procurar registrá-los em todos os TLDs existentes para assegurar seus direitos, mesmo que a diminuição nominal dos custos ocorra em cada um dos TLDs, a somatória no geral será maior do que a atual.
Para fazer frente a estes argumentos, pode ser que naquelas negociações finais sejam adotados mecanismos de salvaguarda como os dois a seguir, que figuram entre os mais citados em Los Angeles:
- Deixar que as empresas que já possuam domínios tenham 30 dias de prioridade para se registrarem nos novos TLDs;
- Criar espelhos automáticos dos atuais domínios nos novos TLDs;
Mesmo assim, acredita-se em inúmeros incômodos. No primeiro caso, além de obrigar a uma corrida desenfreada para que os detentores dos domínios atuais não vejam concorrentes detendo seus nomes de domínios nos novos TLDs. Isso faria com que os custos de manutenção de nomes de domínios fossem multiplicados rapidamente.
Outra conseqüência: amplia-se a área de conflitos - para alegria dos advogados - entre domínios x marcas, e cria-se um nova categoria de conflito: domínios .com x domínios .qualquer coisa.
No segundo caso, afronta a lógica do "esgotamento" do .com, além de aumentar os custos de manutenção de domínios para as empresas de forma compulsória.
Aos atuais gestores dos ccTLDs - Country Codes Top Level Domains - o nosso .br e companhia, também não, já que cada vez mais cresce a percepção de que administrar sua própria árvore de domínios é estratégico e pode ser a diferença para garantir a presença forte de uma região ou país na Web.
Os ccTLDs são em sua maioria administrados por internautas históricos, tendo em sua maioria recebido diretamente das mão de John Postel (veja em www.isoc.org referências sobre John Postel e sua importância para a Internet mundial) que acreditam que um TLD ou ccTLD deve atender aos requisitos de não discriminar nenhum usuário e contribuir para o crescimento da Internet mundial, relevando ao segundo plano os aspectos econômicos. Exatamente, a pedra de toque dos novos TLDs. Planos de negócios foram exigidos de todos os pretendentes e as questões feitas durante as apresentações dos candidatos resvalara, quase sempre, para aspectos econômicos.
Aos países também não. Para aqueles que soa estranho falar de países, é necessário lembrar que cada dia mais o o Fórum de Países, que se reúne por ocasião das reuniões do ICANN, se fortalece em número de participantes e em qualidade nos debates. Apesar de, formalmente, a Internet ser uma iniciativa não governamental, o fato é que os governos estão acordando para o assunto. Os representantes dos países da União Européia, por exemplo, reúnem-se mensalmente. O bloco asiático é bastante articulado e o da América do Sul, apenas o Brasil e a Argentina se fazem representar.
Este Fórum, aliás, teve bastante trabalho no decorrer do período da reunião. O foco do problema era os novos TLDs, agravado pela pretensão de uma empresa de registrar o .africa. A preocupação dos representantes dos países era de que isso abri-se um precedente, de modo que outras empresas pudessem pleitear outros TLDs semelhantes com .frança ou .german. Os Estados Unidos defendem a tese de que a Internet deve ser livre e comercial e que não se pode impedir que este tipo de pleito aconteça. Todos os demais países presentes discordaram e a reunião não chegou a um final, ficando estabelecido que o assunto continuaria via listas.
Também não interessa aos usuários, pois quanto mais TLDs mais complicada a consulta.
À Internet de maneira geral, parece-me que também não. Tal insatisfação foi manifestada pela grande maioria do público presente na reunião do ICANN, contrária à expansão dos TLDs.
Resumindo, parece que além das empresas e entidades que estão se candidatando a operarem os novos TLDs, ninguém mais está satisfeito. Se é assim, por que esta mudança está ocorrendo?
Aparentemente, não há uma boa e incontestável razão para isso. Entretanto, alguns indícios podem ser detectados: o negócio de administração de domínios gera uma receita considerável e isso desperta o apetite das empresas que vislumbram um novo e promissor filão e em um mercado quase cativo.
Então, visto sob o ponto de vista econômico, os ccTLDs tiram receita dos EUA e a distribuem de forma equânime por todos os países que assim queiram, o que, convenhamos, não é o forte do modelo da atual política econômica americana. Do ponto de vista estratégico, uma base de domínios distribuída por todo o planeta permite uma distribuição de poder e de gestão sobre a Internet no mínimo interessante já que nivela todos os países.
Uma marca registrada em um país pode ser ou não reconhecida em outro, depende apenas da vontade e da legislação que cada país adota voluntariamente. No caso da Internet, por sua própria lógica, é impossível deixar de reconhecer um domínio registrado em outro país.
Mais uma vez, tenho que repetir, os tempos românticos da Internet acabaram. O Brasil tem uma boa presença no cenário internacional da Internet e seu modelo de gestão é um dos melhores do mundo ao combinar de forma sensata a Sociedade Organizada (em maioria) e o Governo.
Entretanto, o CG deve evoluir, buscar novas formas de participação da Sociedade, e um bom exemplo é o próprio ICANN com as eleições dos Membros At-Large. Por falar nisso, ao final daquela reunião, ocorreu a posse dos novos Membros do Board do ICANN. Entre eles, estava o representante da América Latina, o brasileiro Ivan de Moura Campos, a quem desejamos todas as felicidades e sucesso neste nicho de cobras, ops!... nesta missão.
Para terminar, uma pergunta: Por que os EUA não adotam o .us para seus domínios? Não vale alegar argumentos históricos: isso não cola!