Equilíbrio entre garantia de direitos e inovação é debatido no VIII Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais
Governança de algoritmos e experiências legislativas estrangeiras também foram discutidas no encontro
A garantia de direito dos cidadãos, o incentivo à inovação e a promoção de uma gestão pública eficiente, entre outros desafios cruciais relacionados ao uso dos dados pessoais foram os principais assuntos discutidos por diversos especialistas, com ampla experiência na área, durante o VIII Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais. A oitava edição do encontro - um dos principais eventos brasileiros de debate multissetorial sobre o tema – foi promovida nos dias 18 e 19 de setembro, em São Paulo, pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) em parceria com o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF/SP), e com o Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Direito de São Paulo).
"Falar de privacidade e proteção de dados é um desafio cada vez mais atual, na medida em que se tornam mais importantes e disseminadas as tecnologias de big data, recursos de computação em nuvem, além da quantidade e diversidade dos dispositivos conectados", considerou Maximiliano Martinhão (MCTIC e CGI.br), na abertura do evento. Martinhão pontuou ainda a urgência da aprovação de uma lei de proteção de dados pessoais e a necessidade de criação ou identificação de uma instância ou autoridade na administração pública federal para tratar do tema de proteção de dados pessoais.
A importância da legislação e das discussões promovidas durante o Seminário foi enaltecida por Alexandre Pacheco (GEPI-FGV Direito SP). "Somos um dos poucos países que ainda não tem uma lei de proteção de dados pessoais". Na mesma linha, Luiz Costa (MPF/SP) reforçou que "uma lei é necessária e imprescindível e o Seminário continua sendo um espaço para manter e aprimorar as discussões", enquanto Raquel Gatto (ISOC) lembrou a evolução dos debates ao longo das oito edições do evento. Mas, afinal, estando nossos dados na Internet, já estamos sem privacidade ou ainda há algo para salvar? Caroline D'Avo (NIC.br), representando Demi Getschko (NIC.br), promoveu reflexões que contribuíram para estimular os debates realizados no evento.
Governança de algoritmos
Na palestra introdutória, o keynote speaker Luiz Costa apresentou os conceitos sobre os algoritmos e suas aplicações. "O algoritmo pressupõe a criação – automatizada ou não – de perfis e também uma ordem de operações a ser executada", explicou. Para ele, o uso dessa tecnologia pode ter tanto implicações positivas como, por exemplo, o controle da energia elétrica consumida por uma residência, como também pode voltar-se para ações de vigilância. "Esse é um conflito permanente", afirmou.
Em palestra complementar, Rafael Evangelista (Labjor/Unicamp e LAVITS) reforçou que a governança dos algoritmos deve ser pensada a partir das diferentes posições sociais. "As tecnologias são impostas por um conjunto pequeno de empresas majoritariamente de um gênero e uma etnia. A objetividade dos algoritmos, portanto, nem sempre é a nossa. Quem constrói os algoritmos não está no mesmo corpo de quem os usa", destacou. Na ocasião, a transparência dos algoritmos foi questionada por Thiago Tavares (CGI.br e SaferNet Brasil). "Precisamos saber como os algoritmos realmente funcionam”, pontuou.
Coube a Marcio Moretto (GPoPAI-USP) comentar os desafios para a regulação da inteligência artificial. "Além de produzir efeitos que não são antecipados por seus engenheiros, é muito difícil entender as justificativas das decisões que os sistemas de inteligência artificial tomaram", alertou. De forma complementar, Carlos Affonso Souza (ITSRio) lembrou que "estamos cada vez mais fazendo perguntas para as máquinas cujas respostas os humanos não saberiam dar". A necessidade de uma legislação que propicie a inovação e proteja os direitos do cidadão também foi destacada na palestra. "Precisamos promover um equilíbrio entre interesses privados e interesses coletivos", defendeu Vanessa Butalla (Serasa).
Segurança jurídica
O incentivo a inovação alinhado à garantia dos direitos foi aprofundado na palestra sobre a "Agenda Digital" para o Brasil. O moderador Henrique Faulhaber (CGI.br e TI Rio) lembrou que "uma parte da economia de Internet está baseada na publicidade, que por sua vez utiliza dados pessoais". Na opinião de Miriam Wimmer (MCTIC), os dados também são elementos estratégicos para o crescimento econômico. "Garantir a segurança jurídica sobre o tema é fundamental, assim como o livre fluxo de informações, o envolvimento da indústria na construção de padrões técnicos e boas práticas, além de uma legislação 'guarda-chuva' e a identificação de instância da administração pública federal para tratar do tema", listou.
Elias Abdala Neto (Microsoft Brasil) considera que a "economia digital vai impactar todos os setores da economia e a proteção de dados pessoais terá um papel central nessa transformação". Bruno Bioni (NIC.br), por sua vez, acredita que "pautar a questão de direitos e deveres pode gerar uma externalidade positiva para o mercado de desenvolvimento e estímulo". Ele também sugere a adoção de boas práticas, em vez de ações regulatórias punitivas. "Por que não premiar atores que tenham a privacidade como elemento central no design de seus produtos e serviços?", questionou. O debate contou também com a participação de Marina Barros (CTS-FGV Direito Rio), que abordou a necessidade de investimentos na formação dos cidadãos, para que sejam capazes de acessar e controlar seus dados.
Autoridade reguladora
As experiências de proteção de dados do México, França e Chile foram debatidas durante o evento a partir das apresentações, respectivamente, de Julio Téllez (UNAM), Ismini Rigopoulou (CNIL) e Jessica Matus (Datos Protegidos). Um ponto comum dos discursos foi a importância de autoridades reguladoras independentes para a eficácia do direito à proteção dos dados pessoais. "Na sistemática adotada para a proteção de dados em vários países, mais de 90% possuem uma autoridade de garantia que vai cumprir a sua função maior: fornecer ao cidadão o efetivo controle dos seus dados", destacou Danilo Doneda (UERJ). Moderador da palestra, Luiz Fernando Martins Castro (CGI.br) lembrou da necessidade de ações de conscientização. "Não adianta só criminalizar práticas erradas. Tudo passa pela educação", enfatizou.
Projeto de lei brasileiro
Como tem feito ao longo das últimas edições, o Seminário reservou espaço ao debate sobre o projeto de lei de proteção de dados pessoais. Na ocasião, o Deputado Federal Orlando Silva (PCdoB/SP) comentou que o PL 5276 passou a ser o eixo estruturante de todas as discussões sobre o tema. "O texto do PL está, no momento, em fase final de ajustes para então ser discutido na Câmara", informou. Princípios fundamentais, como a coleta e tratamento de dados baseadas na minimização, foram elencados por Rafael Zanatta (IDEC), enquanto Arthur Rollo (SENACON) enfatizou que os cidadãos têm o direito de proibir a circulação dos seus dados. Laura Schertel (CEDIS/IDP) declarou que a "a lei deve abranger todos os setores, uma vez que o cidadão precisa de uma proteção integral e harmônica".
A perspectiva empresarial foi abordada por Marcel Leonardi (Google), responsável por alertar que a lei geral de proteção de dados deverá ter impacto em todo o setor privado. Moderadora da discussão, Flávia Lefèvre (CGI.br e Proteste) pontuou que, até a aprovação da lei, é importante fazer valer instrumentos como o sistema de fiscalização estabelecido no decreto regulamentador do Marco Civil.
Cidades inteligentes
A promoção de uma gestão pública eficiente que preserve garantias constitucionais dos cidadãos também foi pautada no evento. Com moderação de Rony Vainzof (FeComercio), o debate teve a participação de Andriei Gutierrez (IBM Brasil), que analisou o potencial da computação cognitiva para ajudar Governos. "Quando pensamos em cidades coletando e fazendo a gestão de dados, precisamos ter conceitos macros. Quais são os limites institucionais legais? Qual a governança de fiscalização?", refletiu.
Jaqueline Abreu (InternetLab) chamou atenção para as cidades inteligentes como fenômeno capaz de aumentar o controle sob os indivíduos. "Estamos apostando em uma lei de proteção de dados que seja capaz de lidar com isso", pontuou. Outra solução apresentada foi dar mais poder aos cidadãos. "É importante discutir os mecanismos de participação nas cidades inteligentes", defendeu Gustavo Mascarenhas (IBCCrim). Fernanda Campagnucci (SME-PMSP) lembrou ainda que as políticas de cidades inteligentes encontram realidades diferentes entre países.
O Seminário contou também com discussões sobre o panorama da segurança pública e mineração de dados, com a moderação de Marcos Dantas (CGI.br e UFRJ); e sobre a proteção da privacidade e dos dados pessoais na área da saúde, debate coordenado por Tanara Lauschner (CGI.br e UFAM). A última discussão abordou a criptografia, e contou com a participação de Fabricio Patury (MP da Bahia), Lucas Teixeira (Coding Rights), Renato Leite Monteiro (Mackenzie) e Mônica Steffen Guise Rosina (Facebook), e moderação de Jamila Venturini (NIC.br), que deixou o questionamento: “Será que o 1º passo para a discussão sobre a criptografia é superar a dicotomia de segurança e privacidade?”.
O evento também foi palco do lançamento da campanha "Seus Dados São Você: liberdade, proteção e regulação", promovida pela Coalizão Direitos na Rede.
Os vídeos com as apresentações do VIII Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais estão disponíveis no canal do NIC.br no YouTube: https://www.youtube.com/user/NICbrvideos/videos.