Rumo à TI como serviço

tipo: Documentos
publicado em: 09 de junho de 2009
por: Jaime Barreiro Wagner
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Jaime Barreiro Wagner* - 09 de junho de 2009
Fonte: Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação 2008

A TI (Tecnologia da Informação), como o nome indica, ainda é uma “tecnologia”, enquanto a eletricidade é “entendida” como uma “simples” tomada, cujo fornecimento é um serviço público essencial. Defende-se aqui que a disponibilidade universal da Internet em banda larga é a chave não apenas para a “inclusão digital” no Brasil, mas também para que a TI se torne um serviço público no mundo todo. Saliente-se que serviço público significa “serviço disponível ao grande público”, e não “serviço prestado pelo poder público”.

TI e eletricidade
No fim do século XIX, a eletricidade ainda era uma “tecnologia” não padronizada, uma força desconhecida, temida e venerada, dominada por uns poucos gênios. O fornecimento de eletricidade como serviço público se desenvolveu ao longo de décadas e alterou radicalmente a economia e a sociedade, constituindo-se na principal tecnologia formativa da moderna sociedade de consumo, vista hoje como forma “ideal” de sociedade desenvolvida.

Nicholas Carr 1 compara TI e eletricidade, tecnologias genéricas que permitem inúmeros usos diferentes das suas ferramentas e que podem ser distribuídas com eficiência, propiciando economias de escala formidáveis ao fornecimento centralizado. Carr preconiza que o fornecimento da TI como serviço público é uma tendência inexorável, chave das mudanças que caracterizarão a sociedade do século XXI.

Inclusão digital no Brasil
A palavra de ordem hoje no Brasil é “inclusão digital” na economia da terceira onda 2 . A expressão abarca iniciativas do Governo e da sociedade organizada, visando reduzir o custo do computador, incluir a informática no currículo escolar, equipar escolas e centros comunitários com computadores e estender a cobertura da banda lar ga. Medidas cuja divulgação nem sempre é proporcional aos resultados obtidos e aos recursos investidos. No entanto, a redução das barreiras de custo para a popularização do computador foi em parte conseguida. A pesquisa do CETIC mostra que nos últimos quatro anos a posse de computador em domicílios aumentou mais de 10%, enquanto o número de domicílios com acesso à Internet aumentou 7%, conforme a tabela abaixo.

Quadro 1 – Penetração em domicílios

2005200620072008
Computador 17% 20% 24% 28%
Internet 13% 14% 17% 20%


Quadro 2 – Taxa de crescimento

2005200620072008
Computador - 19% 25% 20%
Internet - 14% 19% 23%


O dado mais positivo é que a taxa de crescimento de ambos é crescente, ou seja, a inclusão digital está se acelerando. Entretanto, a diferença entre a penetração do computador e da Internet aumentou de 4% para 8%. Isto é, 8% dos lares com computador não têm acesso à Internet. Já a taxa de crescimento da penetração da Internet, que foi menor que a do computador até 2007, passou a ser maior em 2008, o que pode ser o início de uma inflexão.

Embora os números sejam auspiciosos, a TI ainda não é um serviço público, dada a relativa indisponibilidade de acesso em banda larga.

Futuro: TI como serviço público
A história da computação na segunda metade do século XX se caracterizou por duas “leis”. A lei de Moore 3 diz que a capacidade dos processadores dobra a cada dois anos, ao passo que a lei de Grove 4 diz que a capacidade da banda de comunicação dobra apenas a cada cem anos. Na era dos “mainframes” 5 , há três décadas, a capacidade de processamento era escassa. O “mainframe” era usado ao máximo, operado dia e noite por técnicos em uma sala de vidro. As barreiras impostas ao usuário para otimizar o uso do computador dificultavam a experimentação e o aprendizado. Hoje é muito diferente: devido à lei de Moore, o computador está ao alcance de todos e milhões de computadores pessoais e servidores estão ociosos. O desperdício resultante do modelo cliente- servidor baseado em servidores com fim específico se reproduziu na duplicação de “data centers”, equipes técnicas, hardwares e softwares. A capacidade de processamento agregada é enorme, mas apenas uma fração dela é utilizada, e grande parte deste uso é duplicado.

A disponibilidade universal da Internet em banda larga é a pedra de toque que revoga a lei de Grove e desata o nó górdio que impede o fornecimento da informática como serviço público. Na medida em que a banda larga se torna tão difundida quanto a rede elétrica, a tendência é concentrar novamente a capacidade de processamento.

Hardwares, softwares e equipes de operação, fornecidos em larga escala a partir de enormes centros de dados, com custos extremamente reduzidos e cobertos por receitas de publicidade, são disponibilizados gratuitamente aos usuários. O Gartner Group prevê que em 2011 o “software-como-serviço” responderá por 25% do mercado de softwares, e seu crescimento tende a acelerar.

Diferentemente da eletricidade, a transmissão de informação não sofre perdas. Logo, as “usinas” de dados não precisam estar próximas ao local de consumo. Algumas dessas “usinas” já estão em operação. O Google possui dezenas delas. A maior, em The Dalles, Oregon, tem centenas de milhares de servidores. A Microsoft reagiu em 2006, investindo US$ 2 bilhões acima do orçado na construção de centros de dados. Os fatores locacionais dessas “usinas de dados” são a disponibilidade de energia elétrica e de banda de comunicação.

A disponibilidade de recursos humanos qualificados é menos crucial, dada a tendência à automação da operação desses centros.

Uma corrente otimista vê na Internet uma tecnologia emancipadora, que dá aos indivíduos liberdade de expressão, capacidade de interação e colaboração, e possibilidade de acesso a informação sem precedentes. Nas palavras de Carr:
“[isso é] meia verdade, no melhor dos casos, e pura fantasia, no pior. A Internet coloca um poder enorme nas mãos dos indivíduos, mas coloca um poder ainda maior nas mãos de empresas, governos e outras instituições, cujo objetivo é controlar os indivíduos.”
Talvez o poder que a inclusão digital proporcione seja apenas o de consumir e produzir mais e não o de escolher melhor. Nessa hipótese, a inclusão digital apenas criaria consumidores digitais de “usinas de dados”, situadas sabe-se lá onde. Mas talvez não haja alternativa e o livre-arbítrio seja apenas uma ilusão para tornar o consumismo mais palatável, e a maior liberdade pleiteada seja mesmo o direito de consumir.

Banda larga no Brasil
A maior barreira à inclusão digital é política, econômica e cultural: os baixos índices de distribuição de renda e de educação no Brasil. Afora isso, a pesquisa do CETIC demonstra que o primeiro desafio técnico para a inclusão digital é a banda larga, cujas disponibilidade e qualidade, a despeito dos progressos alcançados, estão aquém do desejável. Prova disso é que o custo é o principal motivo para a falta de acesso à Internet em 54% dos domicílios com computador.

A banda larga no Brasil utiliza basicamente duas tecnologias de modem sobre fio: DSL em linha telefônica e “cable modem” em cabo de TV, que juntas respondem por 46% dos acessos residenciais e 87% dos acessos empresariais.

Talvez, a exemplo do que ocorreu com a telefonia, as tecnologias sem fio (celular 3G e variantes do WiMAX) cresçam a partir de agora e até suplantem as tecnologias com fio. Pelo menos, espera-se que exerçam uma saudável pressão competitiva para uma necessária redução de custo. As tecnologias com fio poderiam ter um custo menor, pois seu investimento em cabos já está amortizado.

Entretanto, trazem os efeitos (ou defeitos) de duas concentrações: concentração nas áreas urbanas e concentração de ofertantes em função do processo de concessão, cujo controle de custo por agente regulador tem se revelado deficiente. As tecnologias sem fio têm desen volvimento tecnológico mais recente e mais ativo, constituindo- se na melhor (às vezes única) alternativa em áreas rurais. A diversificação de ofertantes em um ambiente não regulado também se constitui em oportunidade para novas empresas.

Os vários e distintos esforços que se fazem sob a égide do termo “cidade digital”, envolvendo a cobertura de cidades por redes de fibra óptica ou antenas, devem ser incentivados. Prefeituras, empreendedores locais, assim como operadoras “incumbents” e “espelhos”, irão investir. Seguir-se-á um período de concentração, mas a multiplicação de iniciativas no primeiro momento é a forma mais rápida de ganhar terreno. A maior eficiência do processo se dará se o papel regulador do Governo focar a padronização técnica e o zelo pelo processo concorrencial justo, e não a regulação direta da oferta ou investimento federal direto na operação.

Referências
1 Carr, Nicholas. A grande mudança. São Paulo: Landscape, 2008.
2 Toffler, Alvin. A terceira onda. São Paulo: Record, 2007.
3 Gordon Moore, engenheiro da Intel, formulou sua “lei” em 1965.
4 Andrew Grove, colega de Moore, formulou sua “lei” na década de 1990.
5 Computadores de grande porte com uso centralizado.

* Jaime Barreiro Wagner é representante dos provedores de acesso e conteúdo da Internet no Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Como citar este artigo:
WAGNER, Jaime Barreiro. Rumo à TI como serviço. In: CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação 2008 . São Paulo, 2009, pp. 61-65.